sábado, 4 de julho de 2015

IMPEDIMENTOS À ORAÇÃO


            Examinamos cuidadosamente as condições positivas da oração eficaz; mas existem algumas coisas que prejudicam a oração. Deus tornou isso bem claro na Sua Palavra:
        1. O primeiro impedimento à oração é encontrado em Tiago 4:3, “Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres”.
            Um propósito egoísta na oração rouba-lhe o poder. Muitas orações são egoístas. Pode tratar-se de coisas perfeitamente adequadas para ser objeto de petição, coisas que sejam da vontade de Deus conceder, mas o motivo da oração é inteiramente errado, e assim ela se anula. O verdadeiro propósito na oração é para que Deus possa ser glorificado na resposta. Se pedirmos algo simplesmente para recebermos o que pedimos e usá-lo em nossos prazeres ou em nossa gratificação, estamos “pedindo mal” e não devemos esperar receber aquilo que pedimos. Isto explica por que muitas orações permanecem sem resposta.
            Por exemplo, você está orando pela conversão de alguém. É certo fazer isso; mas o motivo pelo qual pedem a conversão é impróprio, é egoísta. Você quer que ele se converta porque seria muito melhor para você que ele tivesse as suas mesmas idéias, ou porque é tão penoso pensar em que ele poderia morrer e estar perdido para sempre. Por razões assim egoístas você quer que ele se converta. A oração é puramente egoísta. Por que você deveria desejar a conversão dele? Em primeiro lugar e acima de tudo, para que Deus possa ser glorificado; porque você não pode suportar a idéia de que Deus, o Pai, possa ser desonrado pelo fato dele pisar sobre o Filho de Deus.
            Muitos oram por um reavivamento. Essa é certamente uma oração que agrada a Deus, está dentro da Sua vontade; mas muitas orações nesse sentido são puramente egoístas. Desejam isso para ver crescer o número de pessoas, para que possam ter mais poder e influência, para aumentar arrecadação, para que um bom relatório possa ser feito entre os irmãos responsáveis, nas conferências ou associações. Com propósitos tão inferiores como esses, as igrejas e irmãos responsáveis freqüentemente oram pedindo um reavivamento, e Deus com freqüência também não responde à oração. Por que deveríamos orar pedindo um reavivamento? Para a glória de Deus, porque não podemos suportar que Deus continue a ser desonrado pelo mundanismo da igreja, pelos pecados dos incrédulos, pela arrogante incredulidade de nossos dias; porque a Palavra de Deus está sendo invalidada; para que Deus possa ser glorificado ao derramar Seu Espírito na Igreja. Por essas razões, em primeiro lugar e acima de tudo, devemos orar por um reavivamento.
            Muitas orações pedindo o Espírito Santo são puramente egoístas. É com certeza da vontade de Deus conceder o Espírito Santo àqueles que pedirem tal coisa – Ele nos disse isso claramente na Sua Palavra (Lucas 11:13), mas muitas orações nesse sentido estão sendo prejudicadas pelo egoísmo do motivo que está por trás da oração. Homens e mulheres pedem o Espírito Santo para que possam ser felizes, ou para ficarem livres das dificuldades em sua vida, ou para terem poder na obra. Por que devemos orar pedindo o Espírito? Para que Deus não possa mais ser desonrado pelo baixo nível de nossas vidas cristãs e pela nossa ineficiência no serviço, para que Deus possa ser glorificado na nova beleza que entra em nossa vida e no novo poder que passa a fazer parte de nosso serviço.
            2. O segundo impedimento à oração está em Isaías 59:1,2: “Eis que a mão do Senhor não está encolhida, para que não possa salvar; nem surdo o seu ouvido, para não poder ouvir. Mas as vossas iniqüidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que vos não ouça.
            O pecado impede a oração. Muitos homens oram repetidamente, e não obtêm qualquer resposta. Talvez sejam tentados a pensar que não é da vontade de Deus responder, ou que os dias em que Deus responde às orações se é que Ele o fazia, já passaram. Os israelitas parecem que pensavam assim. Pensavam que a mão do Senhor estava encolhida, e que se tornara surdo, não podendo mais ouvir.
            “Mas não é assim” disse Isaías, “o ouvido de Deus está tão bom como sempre, Sua mão continua poderosa para salvar; mas existe um impedimento. Esse impedimento é o seu pecado. Suas iniqüidades fizeram separação entre vocês e o seu Deus, e os seus pecados ocultaram a Sua face, para que não possa ouvi-los.”
            O mesmo acontece hoje. Muitos estão clamando em vão a Deus, simplesmente por causa do pecado em sua vida. Pode tratar-se de algum pecado passado, que não foi confessado e ficou sem julgamento, pode ser algum pecado presente que esteja sendo abrigado e, provavelmente, nem sequer é considerado como pecado, mas este está ali, oculto em algum lugar do coração ou na vida da pessoa, e Deus “não vai ouvir”.
            A pessoa que descobre que suas orações não são eficazes, não deve concluir que o seu pedido não está de acordo com a vontade de Deus, mas deve aproximar-se dEle com a oração do salmista: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração: prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno” (Sl 139:23,24), e esperar diante dEle até que coloque o dedo naquilo que não Lhe agrada. Esse pecado deve ser então confessado e afastado.
            Lembro-me de uma ocasião em que eu estava orando por duas coisas definidas que, segundo me parecia, eu deveria ter ou Deus seria desonrado; mas a resposta não veio. Acordei no meio da noite em grande sofrimento físico e grande angústia de alma. Clamei a Deus por essas coisas, raciocinei com Ele como era tão necessária a sua obtenção, e imediatamente; mas não tive resposta. Pedi a Deus que me mostrasse se havia algo errado em minha vida. Algo me veio à mente, algo em que eu muitas vezes pensara, alguma coisa definida que eu não estava disposto a confessar como pecado. Eu disse a Deus: “Se isto é errado, vou desistir de fazê-lo”, mas mesmo assim não veio a resposta. Em meu íntimo, apesar de nunca tê-lo admitido, eu sabia que era errado.
            Finalmente eu disse:
            “Isto está errado. Pequei. Vou desistir.”
            Encontrei paz. Em poucos minutos estava dormindo como uma criança. Acordei pela manhã bem disposto fisicamente, e o dinheiro, que era tão necessário para a honra do nome de Deus, veio.
            O pecado é uma coisa terrível, e uma das coisas mais terríveis a respeito dele é a maneira como impede as orações, a maneira como interrompe a comunicação entre nós e a fonte de toda a graça, poder e benção. Quem quiser ter poder na oração precisa ser impiedoso com os seus próprios pecados. “Se eu atender à iniqüidade no meu coração, o Senhor não me ouvirá.” Sl 66:18 – ACF (Almeida Corrigida e Fiel). Enquanto nos apegarmos ao pecado ou tivermos qualquer controvérsia com Deus, não podemos esperar que Ele ouça as nossas orações. Se houver algo que estiver surgindo constantemente em seus momentos de íntima comunhão com Deus, é isso que impede a oração: afaste-o.
            3. O terceiro impedimento à oração é encontrado em Ezequiel 14:3, “Filho do homem, estes homens levantaram os seus ídolos dentro em seu coração, tropeço para a iniqüidade que sempre têm eles diante de si; acaso permitirei que eles me interroguem?” Os ídolos no coração fazem com que Deus se recuse a ouvir as nossas orações.
            O que é um ídolo? Um ídolo é qualquer coisa que tome o lugar de Deus, qualquer coisa que se torne o objeto supremo de nossas afeições. Somente Deus tem direito ao lugar supremo em nossos corações. Tudo e todos devem subordinar-se a Ele.
            Muitos homens fazem um ídolo de suas esposas. Não que um homem possa amar demais a esposa, mas pode colocá-la no lugar errado, pode colocá-la adiante de Deus; e quando o homem considera o prazer da esposa antes do prazer de Deus, quando lhe dá o primeiro lugar e a Deus o segundo, a esposa é um ídolo, e Deus não pode ouvir as orações dele.
            Muitas mulheres fazem um ídolo de seus filhos. Não se trata de amarmos demasiadamente a nossos filhos. Quanto mais amamos a Cristo, tanto mais amamos nossos filhos. Mas podemos colocar nossos filhos no lugar errado, podemos colocá-los adiante de Deus, e seus interesses antes dos interesses de Deus. Quando fazemos isso nossos filhos são os nossos ídolos.
            Muitos homens fazem de sua reputação ou de seu negócio o seu ídolo. A reputação ou o negócio é colocado adiante de Deus, e Este não pode ouvir as orações de tal homem.
            Uma grande pergunta para nós decidirmos, se quisermos poder na oração, é esta: Deus é absolutamente o primeiro? Ele está adiante da mulher, dos filhos, da reputação, do negócio, de nossa própria vida? Caso negativo, a oração eficaz é impossível.
            Deus freqüentemente chama nossa atenção para o fato de termos um ídolo, não respondendo nossas orações, e nos levando assim a perguntar por que as mesmas não são respondidas, e descobrindo então o ídolo que, depois de afastado, permite que Deus ouça as nossas orações.
            4. O quarto impedimento à oração é encontrado em Provérbios 21:13, O que tapa o ouvido ao clamor do pobre também clamará e não será ouvido”.
            Não existe talvez maior impedimento à oração do que a sovinice, a falta de liberalidade em relação ao pobre e ao serviço de Deus. É aquele que dá generosamente aos outros que recebe generosamente de Deus. “Dai, e dar-se-vos-á; boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosamente vos darão; porque com a medida com que tiverdes medido vos medirão também.” (Lucas 6:38.) O homem generoso é poderoso na oração. O mesquinho não tem poder na oração.
            Uma das declarações mais maravilhosas sobre a oração eficaz (a que já me referi) é 1 João 3:22, “e aquilo que pedimos, dele recebemos, porque guardamos os seus mandamentos, e fazemos diante dele o que lhe é agradável”, e está ligada com a generosidade em relação aos necessitados. O contexto nos diz que é quando amamos, não de palavra ou de língua, mas em obras e em verdade, quando abrimos o nosso coração ao irmão necessitado, é então e somente então, que temos confiança para com Deus na oração.
            Muitos homens e mulheres que estão buscando descobrir o segredo de sua falta de poder na oração, não precisam ir muito longe; não é nada mais nada menos do que simples sovinice. George Müller, a quem já me referi, era um homem poderoso de oração porque era poderoso no dar. O que recebia de Deus nunca se apegava aos seus dedos, ele imediatamente o passava a outros. Estava constantemente recebendo porque dava constantemente. Quando pensamos no egoísmo da igreja professa hoje em dia, não é de admirar que a igreja tenha tão pouco poder na oração. Se quisermos receber de Deus precisamos dar a outros. A promessa talvez mais admirável na Bíblia com relação ao suprimento de nossas necessidades por parte de Deus é Filipenses 4:19, “E o meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir em Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades”. Esta promessa gloriosa foi feita à igreja de Filipos e estava ligada à sua generosidade.
            5. O quinto impedimento à oração é encontrado em Marcos 11:25: “E quando estiverdes orando, se tendes alguma coisa contra alguém, perdoai, para que vosso Pai celestial vos perdoe as vossas ofensas”.
            Um espírito que não perdoa é um dos impedimentos comuns à oração. A oração é respondida com base no fato de nossos pecados terem sido perdoados; mas Deus não pode tratar conosco na base do perdão se estivermos abrigando inimizade contra os que fizerem mal. Quem quer que esteja sentindo ressentimento contra outra pessoa irá fechar o ouvido de Deus à sua própria petição. Quantos há que estão clamando a Deus pela conversão do marido, esposa, filhos, amigos, e se perguntando por que a sua oração não é respondida, quando o segredo está em algum ressentimento que ocultam no coração contra alguém que os tenha prejudicado, ou que julgam que os prejudicou. Muitos pais e mães estão permitindo que seus filhos vão para a eternidade sem estar salvos, pela miserável satisfação de odiar alguém.
            6. O sexto impedimento à oração é encontrado em 1 Pedro 3:7: “Maridos, vós, igualmente, vivei a vida comum do lar, com discernimento; e, tendo consideração para com a vossa mulher como parte mais frágil, tratai-a com dignidade, por isso que sois juntamente herdeiros da mesma graça de vida, para que não se interrompam as vossas orações”. Esta passagem nos diz claramente que um relacionamento errado entre o casal é um impedimento à oração.
            Em muitos casos as orações dos maridos são prejudicadas pelo fato de falharem em seu dever para com as esposas. Por outro lado, é sem dúvida também verdade que as orações das esposas são prejudicadas por falharem em seu dever para com os maridos. Se os maridos e esposas procurassem diligentemente encontrar a causa de suas orações não-respondidas, iriam geralmente descobri-las em suas mútuas relações.
            Muitos homens que têm grandes pretensões à piedade, sendo muito ativos na obra cristã, mostram pouca consideração no tratamento de suas esposas, sendo freqüentemente indelicados e até brutos; depois se perguntam por que suas orações não são respondidas. O versículo que acabamos de citar explica o aparente mistério. Por outro lado, muitas mulheres dedicadas à igreja, e fiéis na freqüência a todos os serviços, tratam o marido com a negligência mais imperdoável, são malcriadas e mostram-se irritadas contra eles, ferindo-os com sua língua aguçada e seu gênio explosivo; e depois se perguntam por que não têm poder na oração.
            Existem outras coisas no relacionamento entre marido e mulher que não podem ser faladas publicamente, mas que sem dúvida constituem com freqüência um empecilho à sua aproximação de Deus em oração. Existe muito pecado oculto sob o nome sagrado do matrimônio que é causa de morte espiritual e incapacidade na oração. Qualquer homem ou mulher cujas orações não pareçam ter resposta deve expor diante de Deus toda a sua vida de casado, e pedir-lhe que coloque o Seu dedo sobre qualquer coisa que não seja do Seu agrado.
            7. O sétimo impedimento à oração é encontrado em Tiago 1:5-7: “Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida. Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando; pois o que duvida é semelhante à onda do mar, impelida e agitada pelo vento. Não suponha esse homem que alcançará do Senhor alguma coisa”.
            As orações são prejudicadas pela incredulidade. Deus exige que creiamos absolutamente na Sua Palavra. Duvidar dela é fazer dEle mentiroso. Muitos de nós fazemos isso quando suplicamos pelas Suas promessas, e é então de admirar que nossas orações não sejam respondidas? Quantas orações são prejudicadas pela nossa miserável incredulidade! Vamos a Deus e Lhe pedimos algo que está positivamente prometido na Sua Palavra, e então praticamente não esperamos ser atendidos. “Não suponha esse homem que alcançará do Senhor alguma coisa.”

Adaptado de: Reuben Archer Torrey (1856-1928)



domingo, 14 de junho de 2015

O PRÓPRIO CRISTO

   Gostaria de levar o pensamento de cada um a focalizar-se em Jesus, e somente nele.
   É comum ouvirmos os crentes dizerem: “Ah, como eu gostaria de obter a bênção da cura divina. Mas ainda não a obtive.”
   E outros afirmam: “Eu já.”
   Mas quando lhes pergunto: “O que obteve?”, não sabem responder.
   Alguns dizem: “Recebi a bênção.” “Recebi a cura.” “Recebi a santificação.”
  Mas, graças a Deus, o que devemos desejar não é a benção, nem a cura, nem a santificação, nem outra coisa qualquer, mas Alguém muito superior. Devemos desejar Cristo, o próprio Cristo.

Precisamos de Uma Pessoa

   Encontramos na Palavra a afirmação “Ele mesmo tomou as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças” (Mt 8.17); “Carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados...” (1 Pe 2.24.) É a Pessoa de Jesus Cristo que devemos desejar. Muitos indivíduos têm uma idéia sobre Cristo, mas não passam disso. Têm um conceito na mente, na consciência e na vontade, mas ele mesmo ainda não faz parte da vida deles. Assim só possuem um símbolo e uma expressão material de uma realidade espiritual.
   Certa vez vi uma reprodução da Constituição dos Estados Unidos feita sobre uma chapa de cobre. Quando se olhava de perto, via-se apenas um texto impresso. Mas quando se afastava um pouco, divisava-se na chapa a efígie de George Washington. Vistas de certa distância, as letras formavam os traços de Washington, e quem olhasse para elas enxergava apenas a pessoa e não as palavras, nem as idéias. Então ocorreu-me um pensamento: “É assim que devemos olhar para a Bíblia, para entender os pensamentos de Deus. Neles vemos o amoroso rosto de Jesus delineando-se em meio às palavras. Ali está o próprio Jesus, que se apresenta como a Vida, a Fonte da Vida, e a presença constante que a sustenta.”
   Durante muito tempo orei a Deus pedindo a santificação, e muitas vezes achei que a havia recebido. Houve até uma ocasião em que senti algo diferente, e me agarrei àquela experiência, receoso de a perder. Fiquei acordado a noite toda, temendo que ela me escapasse, e é claro que, assim que a emoção e a sensação momentânea se esvaíram, ela desvaneceu também. Perdi-a, porque não me firmara em Jesus. É que estivera bebendo pequenos goles de um imenso reservatório, quando poderia estar imerso na plenitude de Cristo.
   Às vezes, nos cultos, via pessoas dando testemunho sobre o gozo espiritual, e até achava que eu também o experimentara, mas não conseguia conservá-lo. É que minha fonte de alegria não era Jesus. Afinal, um dia, ele me disse com muita mansidão: “Meu filho, receba-me, e eu próprio serei a fonte constante de tudo isso.”
   Então resolvi despreocupar-me da santificação e da benção em si, e passei a contemplar o próprio Cristo. Assim, em vez de ter uma experiência, entendi que tendo Cristo tinha quem era maior do que uma necessidade do momento, tinha o Cristo que era tudo de que necessitava. E ali o recebi, de uma vez para sempre.
  Assim que o vi por esse prisma, experimentei um revigorante descanso. Tudo ficou acertado de uma vez por todas. Nele tinha tudo de que precisava, não apenas para aquele momento, mas para o outro, e o outro, e o outro, e assim por diante. Vez por outra, Deus me deixa entrever como será minha vida daqui a um milhão de anos, quando resplandeceremos “como o sol, no reino de (nosso) Pai” (Mt 13.43), e teremos “toda a plenitude de Deus” (Ef 3.19).

A Cura é a Vida de Cristo

    Pelo mesmo raciocínio, em minha ignorância, eu achava que a cura era uma benção em si: achava que Deus iria pegar-me, como se pega um relógio parado, “daria corda” em mim, para que continuasse a funcionar, como se eu fosse uma máquina sendo consertada. Mas não era nada disso. Aprendi que as coisas se passavam de forma diferente: o próprio Jesus entrava em minha vida e me concedia aquilo de que precisasse a cada momento.
   Mas eu desejara possuir um bom “estoque” dessa benção chamada “cura”, para que pudesse sentir-me rico. Queria como que ir armazenando a cura de modo a tê-la em reserva por muitos anos, para que assim não precisasse ficar dependendo de Deus o tempo todo. Mas ele não me deixou formar esse estoque. De maneira que nunca pude acumular bênçãos, fossem de que tipo fossem, cura ou santidade. Tinha apenas o necessário para cada momento. Deus me disse: “Filho, você tem que depender de mim até para receber o próprio ar que irá respirar a cada instante. Eu o amo tanto que desejo que me busque constantemente. Se lhe desse um grande suprimento de saúde, poderia passar sem mim, e não buscaria a minha face. Mas agora você me busca a todo instante, e vive descansando, confiando em mim sempre.”
   Deus me contemplou com uma riqueza colossal. Depositou uma vultuosa quantia em minha conta, e me deu um talonário de cheques, com apenas uma condição para o saque.
    “Você só poderá sacar a quantia de que precisa a cada momento, e nunca mais que ela.”
   E assim, sempre que preciso fazer uma retirada, pego um desses cheques, todos já assinados por Jesus. E cada petição que faço glorifica mais o nome dele, pois é mencionado nas regiões celestes. Dessa forma, Deus é glorificado através de seu Filho.
    Tive que aprender a buscar vigor espiritual em Jesus a cada instante, e a aspirá-lo para meu ser, ao mesmo tempo em que “expirava” meu próprio eu. Essa é a maneira pela qual temos de receber tudo que Deus nos dá, seja para o corpo ou para o espírito – a cada momento. Mas talvez alguém pergunte: “Essa dependência constante de Deus não nos deixa como que de pés e mãos amarrados, não?”
    Estar sempre dependendo daquele a quem amamos, de nosso mais querido amigo é estar amarrado? De forma alguma! Essa vivência brota de modo natural, espontâneo, inconsciente, sem esforço, como uma nascente. A verdadeira vida é sempre calma e transbordante.
   Agora, graças a Deus, tenho a ele. E tenho não apenas o quanto meu ser pode comportar a cada momento, mas também o quanto comportará, à medida que vou vivendo, hora a hora, a eternidade que se abre à minha frente. É como uma garrafa lançada no mar, completamente cheia. Está no mar, e o mar também está dentro dela. Da mesma forma, estou em Cristo e ele está em mim. Além da quantidade de água do mar que está na garrafa há muito mais dela à sua volta. E enquanto o frasco estiver no oceano, poderá encher-se várias e várias vezes.

Cristo Deve Ser Nossa Fé

   Então a questão sobre a qual cada um de nós tem de refletir não é: “O que penso da cura divina?” mas, sim, “O que penso de Cristo?”
            Certa vez um amigo me disse:
            - Mas você foi curado pela fé.
            - Não, não, respondi; fui curado por Cristo.
   E qual é a diferença? Há uma grande diferença. Houve uma época em que a fé foi até um obstáculo entre mim e Jesus. Achava que tinha de produzir fé, e me esforcei ao máximo para tê-la. Afinal, um dia, achei que já a possuía e pensei que, se me apoiasse totalmente nela, ela me sustentaria. Confiado no fato de que já tinha fé, disse ao Senhor: “Cura-me, Senhor!”
   Mas a verdade é que estava confiando em meu próprio coração, em minha própria fé. Pedia ao Senhor uma bênção com base em algo que havia em mim, e não com base nele mesmo.
    Então Deus permitiu que o diabo provasse minha fé, e ele, a “devorou” como “leão que ruge”. Fiquei tão desalentado que cheguei a supor que perdera totalmente a fé. Deus permitira que ela se extinguisse, a ponto de eu pensar que não cria em mais nada.
   Mas depois Deus começou a falar comigo, mansamente: “Não tem importância, filho. Você não possui nada, mas eu sou poder e amor perfeitos. Sou fé, vida, sou a sua vida; sou a preparação para a benção e a benção também. Sou todas as bênçãos interiores e exteriores; sou tudo em tudo, para sempre.”
     Isso é ter a fé “do Filho de Deus”, como diz o apóstolo Paulo. “E a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus.” (Gl 2.20 – I.B.B.) Observemos que ele não diz: “na fé no Filho de Deus”. E é isso mesmo. A fé não é minha, nem sua. Por nós mesmos, não podemos produzir fé; não temos vida, não temos nada; só um grande vazio. Então precisamos abrir o coração, e deixar que ele faça tudo em nós. Temos que nos apropriar de sua fé, de sua vida, de sua cura, e dizer: “Vivo na fé do Filho de Deus.”
    Não há mérito algum em minha fé pessoal. Se eu tivesse de orar por alguém não poderia fazê-lo com base em minha fé. Teria que dizer: “Senhor, eis-me aqui. Se quiseres usar-me como instrumento para curares esta pessoa, comunica-me tudo de que preciso.”
    Precisamos ter apenas a Cristo e só.

Você Já se Rendeu a Cristo?

    Já entregou seu corpo a Cristo para que ele habite em você e opere por seu intermédio? O Senhor Jesus Cristo possui um corpo igual ao nosso, com a diferença que o dele é perfeito. O corpo dele não é o de homem, mas o do Filho do homem. Já se perguntou por que ele é chamado Filho do homem? Esse título significa que Jesus Cristo é o protótipo do homem, universal, compreendendo em si toda a humanidade. Ele é em si mesmo tudo o que o homem deve ser, e contém tudo que ele precisa ter. Em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da Divindade e do ser humano, portanto ele é a síntese de tudo que o homem precisa. Seu espírito é tudo de que nosso espírito precisa. Seu corpo possui tudo de que nosso corpo precisa. Seu coração bate com a energia de que o nosso necessita. E ele possui órgãos e funções vitais que estão cheios de vitalidade, não para si mesmo, mas para a humanidade.
   Jesus não tem necessidade dessa vitalidade. A energia com a qual ressurgiu dentre os mortos, superando as forças da natureza, não se destinavam a ele próprio. Seu maravilhoso corpo pertence a nós. Somos membros de seu corpo. Temos o direito de receber do coração dele tudo de que o nosso necessita. Temos  o direito de extrair de sua vida física a força e a base de sustentação de que precisamos para a nossa. Assim, nossa vida não vem de nós, mas da preciosa vida do Filho de Deus.
   Quer recebê-lo agora, para que seja a sua vida? Você não apenas será curado, mas terá uma vida nova, com o suprimento de todas  as suas necessidades. Terá um fluxo vital que varrerá de seu corpo as enfermidades e constituirá uma fonte de energia para tudo de que vier a precisar. Receba-o em plenitude!

Meu Grande Segredo

   Se eu afirmasse agora que possuo uma fórmula secreta para se obter riqueza e sucesso, que recebi diretamente do céu, e que, por meu intermédio, Deus daria grandes quantidades dela a quem quisesse, todo mundo ficaria muito interessado. Pois quero mostrar-lhes na Palavra de Deus uma oferta muito mais valiosa que essa suposta fórmula. Inspirado pelo Espírito, o apóstolo Paulo diz que existe um “mistério que estivera oculto dos séculos e das gerações” (Cl 1.26). Trata-se de um segredo que o mundo tem procurado, mas não encontra; um segredo que os sábios estão sempre desejando. E o Senhor nos garante que “agora, todavia, se manifestou aos seus santos”. E Paulo viajou pelo Império Romano entregando essa mensagem a quem estivesse apto para recebê-la. Eis o segredo: “Cristo em vós, esperança da glória.” (vs. 27.)
   O grande segredo é: “Cristo em vós.” E eu o passo a você agora, se quiser crer no que Deus diz. Para mim, ele tem sido maravilhoso. Faz alguns anos busquei a Deus, cheio de temores e de sentimento de culpa. Apliquei esse segredo à minha vida e foi a solução para todas as minhas preocupações e meu fardo de pecados. Mas depois, após algum tempo, vi-me outra vez dominado pelo pecado, e a tentação me parecia forte demais. Busquei a Deus, e de novo ele me disse: “Cristo em vós.”
   Foi assim que obtive a vitória, o descanso, as bênçãos.

Foi o Fim das Enfermidades

   Nessa ocasião, perdi completamente a saúde. Sempre trabalhara muito. Desde os quatorze anos trabalhava e estudava sem descanso. Aos 21, assumira o pastorado de uma grande igreja. Tive seis doenças graves. Minhas forças estavam esgotadas. Houve diversas ocasiões em que pensei que iria cair morto no púlpito. Devido ao esgotamento e a deficiências cardíacas, sempre que subia um pequeno lance de escadas, sentia falta de ar.
   Já ouvira falar sobre cura divina, mas rejeitei a idéia. Tinha medo dela. Aprendera no seminário que a era dos milagres já passara, e não conseguia romper com os ensinamentos que recebera. Assim meu intelecto estava sendo um empecilho para que recebesse a bênção. Afinal fui obrigado a assistir ao “enterro de minhas convicções pessoais”, como já disse a alguém. E mais uma vez o Senhor sussurrou ao meu ouvido aquele mesmo segredo: “Cristo em vós.” Naquela hora recebi-o para a cura das enfermidades, como já o recebera para a restauração espiritual. Sarei. Fiquei tão forte que o trabalho passou a ser um verdadeiro prazer em mim.
   Desde então, tenho sempre passado as férias de verão na calorenta cidade de Nova Iorque, pregando e evangelizando. Além disso, tenho trabalhado também no nosso “Lar” e na escola bíblica, e tenho escrito muitos artigos e livros, desempenhando também muitas outras atividades.
    Mas a benção que recebi do Senhor não foi apenas a remoção da enfermidade; não foi uma simples cura. Ele me deu a si mesmo de tal forma que eliminou até a consciência de dor, o melhor aspecto de toda essa restauração que ele opera em nós. Dou graças a Deus por haver-me libertado da preocupação mórbida com a saúde. Não tenho mais aquela ansiedade com relação ao corpo. Essa vida que Jesus me transmite traz tanto gozo, que trabalhar para ele é um descanso e um verdadeiro prazer.

Deu-me Agilidade Mental

   Outro problema que me atormentava era a lentidão mental; tinha a mente pesada, morosa. Não conseguia raciocinar nem agir com rapidez. Queria usar meu intelecto para Cristo, queria escrever, pregar; queria ter uma memória arguta para que o pouco conhecimento que possuía estivesse sempre na ponta da língua. Orei ao Senhor a respeito disso, perguntando se ele poderia abençoar-me também nessa questão.
    “Claro, filho”, respondeu ele. “Sou a tua sabedoria.”
   Estava sempre cometendo certos erros, o que me deixava bastante contrariado, com o anseio de nunca mais cometê-los. Aí Cristo me disse que eu poderia ter a mente dele, e que ele seria meu intelecto. Disse-me que levaria cativo todo pensamento à sua obediência e que ajustaria meu cérebro. Então apropriei-me dele também para essa benção. E desde esse dia ele tem-me preservado, corrigindo as imperfeições mentais, e trabalhar tem sido um descanso.
   Antes disso, eu levava seis dias para escrever dois sermões. Hoje, por estar comprometido com a publicação de sermões, sou obrigado a produzir inúmeras laudas por semana, além de me preparar para os diversos cultos que dirijo. E nada disso é cansativo; pelo contrário, é um prazer. O Senhor tem-me abençoado muito no que diz respeito à mente; agora percebi que ele nos restaura a mente da mesma forma como salva a alma.
   Outra coisa. Eu tinha vontade fraca. Um dia lhe perguntei:
    - Senhor, podes ser minha vontade?
   - Claro, meu filho, respondeu ele. “Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade.” (Fp 2.13.)
   A partir daí ele me ensinou como e quando devia agir com firmeza, e como e quando devia ceder. Muitas pessoas possuem vontade forte, mas não sabem se mostrar firmes no momento certo.

   Busquei em Cristo também o poder para realizar sua obra, bem como os recursos de que necessitava para o serviço. Ele nunca me negou nada. Por isso digo, se esse precioso segredo for de valia para o leitor, aproprie-se dele, e faça melhor proveito do que eu. Parece-me que estou apenas começando a entender o quanto é valioso. Aproprie-se dele, irmão, e ponha-o em prática continuamente, não somente agora, mas por toda a eternidade. Cristo em nós, para ser tudo de que necessitamos, de graça em graça, de força em força, de glória em glória, de hoje em diante e pela eternidade.

Extraído do livro: Jesus Cristo, Ele Mesmo – A Relação Que Faz a Diferença (A. B. Simpson). 
Editora Betânia – 1ª edição – páginas. 11 a 20.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

A UNIDADE


A unidade da igreja já foi vista no passado como uma necessidade de que todos os irmãos que se separaram em diferentes denominações abandonem suas bandeiras e vão para debaixo, única e exclusivamente, do nome de Cristo.
De fato, investigando o Novo Testamento, não há como justificar as divisões do povo de Deus. Pelo contrário, há vários versículos que condenam as divisões, por opiniões ou doutrinas, seja entre judeus e gregos, seja entre gentios entre si, chamando essas pessoas divisivas de carnais ou meninos em Cristo (1 Co 3:1-3). Ocorre-nos, entretanto, o seguinte questionamento: ainda que todos os cristãos abandonassem seus grupos, haveria alguma garantia de que eles seriam um só em Cristo?
Imagine que cada grupo cristão, reunindo-se na mesma cidade, seja representado por um desses círculos (imagine seis círculos). Assim, nessa cidade, haveria seis grupos cristãos. Daí alguém chega e diz para os irmãos que estão nesses grupos: - Ei, por que vocês estão se dividindo? Por que não saem desses grupos e passam a viver a unidade? Alguns irmãos, então, resolvem sair do grupo e passam a viver juntos. Com o passar dos anos, o grupo então começa a criar algumas peculiaridades que o diferencia dos demais grupos. Inexplicavelmente, então, nessa cidade em que havia seis grupos, surge mais um, o sétimo grupo que se identifica como aqueles que não pertencem a nenhuma facção nessa cidade. Os demais grupos, então, criticam esse novo grupo dizendo que ele nada mais é que uma nova divisão no Corpo de Cristo, só que sem nome e sem identificação. O novo grupo, então, rebate essas críticas dizendo que eles estão testemunhando a unidade da igreja nessa cidade, isto é, proclamando que, nessa cidade, não deveria haver seis grupos, mas apenas um: a igreja ou o sétimo grupo. Os demais grupos então argumentam: - qual o critério utilizado para que vocês possam dizer que são um em Cristo e nós não? O grupo novo então responde que é porque eles, do sétimo grupo, estão no espírito e os demais grupos não. Daí a controvérsia se alonga em intermináveis discussões. É interessante notar que, para afirmar que um grupo de pessoas é um com o Senhor no espírito, tenho de sondar o coração de todas as pessoas na cidade, as que estão no grupo novo e as que não estão. Para ter tal capacidade, a pessoa que dá o testemunho dessa unidade só pode ser o Espírito Santo, o único capaz de sondar corações e mentes. Como se pode notar, esse critério de entender o Corpo de Cristo como grupos isolados não é útil, razoável, nem lógico, quando se busca a unidade, porque parte de dois pressupostos que não podem ser aferidos por nenhum ser humano:
1º pressuposto: se em uma cidade há um pequeno grupo que testemunha a unidade, logo, o coração desses irmãos é um. Isso é verdade? Todos esses irmãos são de fato um? Quem pode determinar isso? Só o Espírito Santo.
2º pressuposto: nessa mesma cidade, todos os demais irmãos que não estão dando esse testemunho de unidade não são um; não são um com Cristo e não são um com os demais santos. Ou será possível alguém ser um com Cristo e estar dividido dos demais irmãos? Quem pode determinar isso? Só o Espírito Santo.

A CAMINHADA
Qual o melhor critério, então, para entender a vida da igreja e nos relacionarmos com todos os cristãos que estejam na mesma cidade? Imagine várias pessoas caminhando juntas: Algumas estão lado a lado; outras estão na frente e ainda outras estão atrás. Se você reler os Evangelhos, notará que a vida do Senhor nesta terra foi uma vida de peregrinar. Ele visitava as pessoas, entrava em cidades, passava por caminhos, montes e praias, deitava ao relento com seus discípulos, comia com eles, dormia com eles, acordava com eles e voltava a caminhar. Até mesmo no livro de Atos, a igreja foi identificada como aqueles do CAMINHO, talvez pela atitude que eles tinham de não se apegar a esta Terra. Parece-nos que, ao invés de estarmos vivendo uns com os outros em círculos fechados como se o grupo fosse um fim em si mesmo, a vida da igreja melhor seria representada como uma grande peregrinação nesta Terra, uma procissão triunfante. Nessa caminhada, encontramos várias pessoas, recebemos o Evangelho, pregamos o Evangelho e continuamos caminhando para o alvo. Durante a caminhada, o Senhor pela Sua soberania coloca-nos ao lado de outros companheiros de caminhada. Com esses companheiros, temos comunhão, oramos juntos, sofremos juntos e aprendemos juntos. Mas há muitas outras pessoas nessa caminhada: uns estão atrás, ainda passando por lugares que já passamos há muitos anos; outras estão à nossa frente, encontrando lugares que nem sonhamos que existam; há ainda alguns que resolveram parar de caminhar e se estabeleceram pelo caminho; outros ainda estão caminhando em círculos discutindo algumas questões acerca de como caminhar melhor. Esse caminho, contudo, é muito estreito e acidentado e muitas pessoas desistem dele ou não se aventuram em trilhá-lo. De qualquer forma, os que iniciaram sua caminhada e perseveram, um dia chegarão ao fim dessa caminhada, uns antes, outros depois. A visão da caminhada ao invés da visão circular (de grupo) ajuda-nos a nos relacionar com os demais irmãos na mesma cidade. Há santos que estão caminhando com grupos denominacionais, há outros que estão caminhando com grupos não-denominacionais; há ainda aqueles que estão caminhando nas casas. Não importa a situação, importa que continuemos caminhando. Sim, há alguns que pararam de caminhar e passaram a viver em função do grupo; mas há também aqueles que, independente do lugar em que se encontram, querem continuar caminhando. Podemos ajudar esses irmãos e podemos receber ajuda deles. Podemos ser até mesmo companheiros de caminhada por um tempo. Qual o problema? Não estamos indo para o mesmo lugar e não temos todos o mesmo alvo? Essa caminhada pode durar um tempo curto ou pode durar anos. Além disso, a visão da caminhada é dinâmica, enquanto a visão circular (de grupo) é estática. Há alguns companheiros que conhecemos no passado que resolveram parar de avançar, mas que hoje voltaram a caminhar. O importante é que cada um de nós prossiga para o alvo individualmente, mas que não rejeite caminhar com os companheiros de caminhada que estão ao nosso lado. Assim, podemos nos encorajar mutuamente. Todos podemos aprender juntos a conhecer a Cristo:
“Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações; a fim de, estando arraigados e fundados em amor, poderdes perfeitamente compreender, com todos os santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus” (Ef 3:17-19).
“Por isso exortai-vos uns aos outros, e edificai-vos uns aos outros, como também o fazeis” (1 Ts 5:11).
“Antes, exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado” (Hb 3:13).
“E disseram um para o outro: Porventura não ardia em nós o nosso coração quando, pelo caminho, nos falava, e quando nos abria as Escrituras?” (Lc 24:32).
“Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim” (Jo 14:6).

UNIDADE PARA DEUS
Se estar em denominações não é o ideal, mas também procurar esta unidade também não nos traz garantias, que fazer? Talvez o problema maior a ser enfrentado seja o nosso conceito de unidade. Será que unidade para nós é a mesma coisa que unidade para Deus? Para ajudar a solucionar essa questão, vamos ver primeiramente o que é unidade para os homens: estar sob o mesmo ministério - fazer as mesmas coisas - gostar das mesmas coisas - criticar as mesmas coisas - ler os mesmos livros ou ler os livros do mesmo autorreunir no mesmo grupo cristão - não ler outros livros que não a Bíblia - vestir-se da mesma forma - usar véu ou não usar véu - falar em línguas ou não falar em línguas - reunir-se nas casas ou reunir-se nos templos ou reunir-se nas casas e nos templos - não falar mal dos líderes - concordar com as diretrizes e decisões do grupo - participar das reuniões com freqüência - envolver-se com os serviços da igreja - praticar tudo que seja promovido pelo grupo ou pelo Ministério - pregar o Evangelho - distribuir folhetos, vender livros ou jornais. Estranhamente, nós não encontramos esse conceito de unidade da Bíblia, especialmente no Novo Testamento. Se Deus não pensa em unidade dessa forma, seria muito interessante saber como Ele pensa, até mesmo para sabermos se o que estamos praticando ou almejando é a mesma unidade que Deus pratica e almeja. Vejamos. Se você já leu a oração sacerdotal de Jesus em João 17 poderá encontrar algumas pistas do que seja unidade para Deus. Ali lemos uma oração maravilhosa que seria desconhecida se Jesus não a tivesse feito em voz alta. Na realidade, é uma conversa íntima entre o Pai e o Filho, acerca da saudade de estarem juntos e de como, após a partida do Filho, poderíamos viver neste mundo. Nessa oração tão intrigante, Jesus fala de uma relação da unidade que Ele mantém com o Pai. Ele diz que os dois são um! O Apóstolo João ficou tão impressionado com essa questão que, na sua Primeira Epístola capítulo 1, versículo 3, ele nos disse que:
“O que temos visto e ouvido, anunciamos também a vós, para que vós também tenhais comunhão conosco; e, de fato, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo.”
Note que o Apóstolo tinha uma comunhão com os irmãos, mas essa comunhão era no Pai e no Filho. Quando João estava nessa comunhão e quando os irmãos também se encontravam nessa mesma comunhão, ali havia unidade. Essa comunhão maravilhosa do Pai, Filho e Espírito é como um ponto de encontro, onde todos os irmãos podem ir e permanecer.  Além de ser a origem da comunhão, esse “lugar” também é a fonte, a força original, a vitalidade e o motor que impulsiona a comunhão do Corpo de Cristo no Deus Triúno. Quando estamos todos nesse “lugar”, isto é, no Deus Triúno, então estamos na unidade. Quando estamos fora desse “lugar”, já estamos na aparência, na religião e na divisão. O Apóstolo Paulo, definiu essa unidade através de vários exemplos. Um deles está em 1 Co 6:17:
                   “Aquele que se une ao Senhor é um Espírito com Ele.”
Dito de outra forma, quando estamos no nosso espírito somos um com o Senhor. Se todos estiverem no espírito, então seremos um, pois é no nosso espírito que o Pai, o Filho e o Espírito habitam. Não há outro lugar onde se possa desfrutar dessa unidade. Se você procurar ler as epístolas de Paulo, verá várias outras metáforas acerca dessa unidade: o Corpo de Cristo, a família de Deus, o Novo Homem, o Casamento etc. Para o Apóstolo, essa unidade era tão importante que ele nos constrange a ser diligentes em nos esforçar diligentemente para “preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz“, citando ainda que o motivo de sermos um é porque há:
Um só Corpo e um Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança do vosso chamamento; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, por meio de todos e em todos (Ef 4:3-6).
Note, por favor, querido irmão, que Paulo não está falando para nós buscarmos tal unidade. Ele está apenas descrevendo essa unidade que já possuímos por termos nascido de novo. Não se trata de uma herança a ser recebida ou uma meta a ser alcançada; trata-se da realidade perceptível e que pode ser experimentada no nosso espírito! Voltemos para João 17. Atente para os seguintes trechos em negrito: Depois de dizer isso, Jesus olhou para o céu e orou: “Pai, chegou a hora. Glorifica o teu Filho, para que o teu Filho te glorifique. Pois lhe deste autoridade sobre toda a humanidade, para que conceda a vida eterna a todos os que lhe deste. Esta é a vida eterna: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste. Eu te glorifiquei na terra, completando a obra que me deste para fazer. E agora, Pai, glorifica-me junto a ti, com a glória que eu tinha contigo antes que o mundo existisse. Eu revelei teu nome àqueles que do mundo me deste. Eles eram teus; tu os deste a mim, e eles têm guardado a tua palavra. Agora eles sabem que tudo o que me deste vem de ti. Pois eu lhes transmiti as palavras que me deste, e eles as aceitaram. Eles reconheceram de fato que vim de ti e creram que me enviaste. Eu rogo por eles. Não estou rogando pelo mundo, mas por aqueles que me deste, pois são teus. Tudo o que tenho é teu, e tudo o que tens é meu. E eu tenho sido glorificado por meio deles. Não ficarei mais no mundo, mas eles ainda estão no mundo, e eu vou para ti. Pai santo, protege-os em teu nome, o nome que me deste, para que sejam um, assim como somos um. Enquanto estava com eles, eu os protegi e os guardei pelo nome que me deste. Nenhum deles se perdeu, a não ser aquele que estava destinado à perdição, para que se cumprisse a Escritura. Agora vou para ti, mas digo estas coisas enquanto ainda estou no mundo, para que eles tenham a plenitude da minha alegria. Dei-lhes a tua palavra, e o mundo os odiou, pois eles não são do mundo, como eu também não sou. Não rogo que os tires do mundo, mas que os protejas do Maligno. Eles não são do mundo, como eu também não sou. Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade. Assim como me enviaste ao mundo, eu os enviei ao mundo. Em favor deles eu me santifico, para que também eles sejam santificados pela verdade. Minha oração não é apenas por eles. Rogo também por aqueles que crerão em mim, por meio da mensagem deles, para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. Dei-lhes a glória que me deste, para que eles sejam um, assim como nós somos um: eu neles e tu em mim. Que eles sejam levados à plena unidade, para que o mundo saiba que tu me enviaste, e os amaste como igualmente me amaste. Pai, quero que os que me deste estejam comigo onde eu estou e vejam a minha glória, a glória que me deste porque me amaste antes da criação do mundo. Pai justo, embora o mundo não te conheça, eu te conheço, e estes sabem que me enviaste. Eu os fiz conhecer o teu nome, e continuarei a fazê-lo, a fim de que o amor que tens por mim esteja neles, e eu neles esteja”  Note as implicações dessa unidade nas palavras do próprio Senhor mencionadas nesses versículos: receber a glória do Filho; ter a plenitude da alegria; conhecer a Deus e a Cristo; receber a revelação do Pai; guardar o falar de Deus; experimentar que tudo o que há em Cristo vem de Deus; ser santificado na verdade; receber a Palavra; glorificar a Cristo e ser protegido no Nome. Quantas implicações há nessa unidade maravilhosa! Veja também o nível de unidade que Jesus estava revelando: a mesma que Ele mantinha e mantém com o Pai! Quando recebemos a glória que foi dada a Jesus, nos tornamos um. Para contemplar essa glória, Jesus pede ao Pai que nós estejamos com Ele onde Ele estiver. Mas que lugar é esse? A resposta também está no Evangelho de João. No capítulo 4, versos 23 a 24, Jesus diz que a hora vem e já chegou, quando os verdadeiros adoradores adorarão em espírito e em realidade. Por quê? Simplesmente porque Deus é Espírito, e é necessário que os que O adoram O adorem em espírito e em realidade. É só por causa disso. A descoberta que temos um espírito humano onde o Pai, o Filho e o Espírito podem habitar foi uma das maiores descobertas de todos os tempos (Zc 12:1; Mt 5:3, 26:41; 1 Co 2:10, 11, 5:3, 14:15-16; 2 Co 2:13, 3:6, 12:8; Ef 3:5; Gl 5:16, 25; Rm 8:4, 16, 12:11; Jo 3:6; Jo 6:63; Gl 6:8, 18; Lc 1:47; At 16:7, 20:22, 21:4; 1 Jo 4:1;1 Ts 5:23; 1 Pe 3:4, 4:6). Através dessas passagens, podemos notar que: 1) o Espírito Santo se comunica, fala e orienta os filhos de Deus no espírito de cada um, como uma unção interior que ensina todas as coisas (1 Jo 2:20, 27). Quando o Novo Testamento fala que o Espírito Santo disse ou orientou, certamente não está dizendo que foi ouvida uma grande voz vinda do nada. Na realidade, o Espírito Santo mesclado ao nosso espírito humano (1 Co 6:17) gera uma série de percepções espirituais que, traduzidas e interpretadas por uma mente renovada (1 Co 2:15; Rm 12:2), leva-nos a conhecer e entender o falar do Espírito (Mc 9:7; Rm 8:14; 10:7; At 16:7). 2) Quando o Novo Testamento fala do Espírito Santo, certamente está se referindo à pessoa do Deus Triúno. Entretanto, quando o Novo Testamento fala apenas de Espírito, ele pode estar se referindo tanto ao Espírito Santo, quanto ao espírito humano mesclado ao Espírito Santo, não havendo, portanto, como discernir sobre o que está sendo falado. Entretanto, quando o Novo Testamento fala de espírito com letra minúscula, está se referindo ao nosso espírito humano. Além disso, cabe destacar que o Novo Testamento em grego foi escrito só em maiúsculas, de modo que a utilização de letras maiúsculas ou minúsculas foi feita por estudiosos do nosso tempo. Desse modo, na dúvida se determinada passagem que utiliza a palavra Espírito (com letra maiúscula) de fato se refere ao nosso espírito mesclado ao Espírito Santo, optamos por analisar o contexto. Na quase totalidade dos casos nas Epístolas, de fato, Espírito refere-se ao nosso espírito mesclado ao Espírito Santo. Mas, voltando a João 17, que significa a glória ali mencionada? No capítulo 13, temos mais pistas. No verso 31, Jesus diz que foi glorificado o Filho do Homem, referindo-se à traição de Judas que redundaria em Sua morte. No capítulo 7, verso 39, temos:
E isto disse ele do Espírito que haviam de receber os que nele cressem; porque o Espírito Santo ainda não fora dado, por ainda Jesus não ter sido glorificado.
            Quando Jesus foi “glorificado”, então o Espírito Santo pôde ser dado aos discípulos. Após a morte e ressurreição do Senhor, ele se encontrou com os discípulos:
E, havendo dito isto, assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo.
De fato, a glória de Cristo tornou-se visível quando o grão de trigo morreu e deu muito fruto. Podemos então concluir que a glória é resultado da morte e ressurreição de Cristo que tornou possível que Ele pudesse morar em nós.
Mas onde o Deus Triúno mora exatamente? Vamos continuar pesquisando. No capítulo 14, versos 1 a 6, Jesus conforta seus discípulos dizendo que na casa do Pai há muitas moradas. Alguns estudiosos dizem que se trata de mansões celestiais. Jesus morreria e iria construir muitas mansões celestiais para que nós, a fim de que, quando morrêssemos pudéssemos desfrutar delas. Bem, acreditamos que Jesus está falando no sentido figurado. Por quê? Porque Deus não habita em mansões físicas (At 7:48; 17:24). Caso isso fosse possível, o que já seria um completo absurdo, em Apocalipse haveria no mínimo o registro dessas mansões. Isso se Apocalipse fosse um livro literal, o que a maioria dos doutrinadores concorda que não é, mas sim um livro de figuras. Quando andou nesta terra, Jesus era a morada ou o tabernáculo do Pai. O próprio Deus habitava na humanidade de Cristo, o filho unigênito de Deus. Quem via Cristo, via o Pai. Entretanto, o plano de Deus era aumentar essa morada que era Cristo a fim de nos levar para dentro Dele (Is 54:2; Ef 1:10, 22, 23, 3:39; Hb 9:11; Ap 15:5 e 21:3). Como fazer isso? Havia somente uma maneira: a morte, ressurreição e envio do Espírito Santo. Através desses estágios, o corpo individual de Cristo passaria a ser um corpo coletivo. Paulo entendeu esse plano e se referido a ele nas epístolas aos Romanos (Rm 12) e aos Coríntios (1 Co 12:12). Nesse corpo coletivo, haveria muitas moradas de Deus, isto é, muitos filhos de Deus (Ef 2:22; 1 Co 6:16, 19). Quando Jesus foi à Cruz, Ele preparou um lugar no nosso espírito para que Deus pudesse morar nele. Ele nos limpou através do Seu sangue e nos apresentou ao Pai. Na Sua ressurreição e envio do Espírito, Ele veio outra vez e nos recebeu para Ele mesmo para que estivéssemos no mesmo lugar que Ele está: no nosso espírito e em Deus (Cl 3:3; Ef 2:6)! Nesse momento tão solene tratado em João, cap. 14, Jesus foi interrompido por Tomé (sempre Tomé), que lhe pediu para que mostrasse o Pai (Jo 14:5). Após explicar pacientemente para Tomé como Ele e o Pai são um, Jesus retoma o assunto acerca do lugar para onde iria e para onde deveríamos ir (leia João 14:15-21, 23). Jesus então diz que rogará ao Pai para que envie o Consolador, o Espírito da Realidade. Quando esse Espírito da realidade viesse, Ele habitaria conosco e estaria em nós. Estranhamente, Jesus diz em seguida:
Não vos deixarei órfãos, virei a vós!
Quem virá? O Consolador – o Espírito Santo ou o próprio Senhor? Na realidade, o Senhor é o Espírito (2 Co 3:17). No verso 23, Jesus concluiu:
Respondeu-lhe Jesus: Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos a ele e faremos morada juntamente com ele.
            Aleluia! O Pai virá para dentro do nosso espírito; o Filho virá para dentro do nosso espírito; o Espírito virá para dentro do nosso espírito! Você está carente da orientação do Pai, dos Seus conselhos, do Seu abraço? Tenha comunhão com Ele no seu espírito! Você acha que não há mais saída para você? Você acredita que foi longe demais? Você perdeu o frescor da cruz? Converse um pouco com o Filho… Ele está no seu espírito. Você está perturbado? Não tem paz interior?  Sua vida é uma fraude? Você vive aparentemente como cristão, mas não passa disso, só de aparências? Que tal conversar um pouco com o Espírito da Realidade, o outro Consolador que foi enviado para o seu espírito? Ah, quantas oportunidades temos de ter comunhão com eles… o dia inteiro podemos conversar com esse Deus tão maravilhoso, tirar dúvidas, desabafar, falar sobre nossos temores, ou então louvá-Lo por tudo o que Ele tem feito em nossas vidas! E se estivermos no nosso espírito, estaremos em comunhão com o Pai, com o Filho e com o Espírito e manteremos comunhão uns com os outros (1 Jo 1:3, 7; 1 Co 1:9; 2 Co 13:14). Quando estamos no nosso espírito, desfrutamos dessa glória! Essa é a unidade de que fala o Novo Testamento. Jesus é o caminho e quanto mais experimentarmos esse Caminho e a senda que Ele caminhou, mais nos uniremos a Ele. Hoje, quanto mais experimentamos a Cruz, mais experimentaremos a ressurreição e, quanto mais experimentarmos a ressurreição de Cristo, mais experimentaremos o derramar do Espírito e quanto mais Espírito desfrutarmos, mais desfrutamos dessa gloriosa unidade. Talvez seja essa a causa do fracasso de tantos movimentos de unidade e restauração da igreja:
Quem quer experimentar verdadeiramente a cruz? (Mc 8:34)
Na cruz, nossas opiniões são totalmente destruídas, nossos gostos, nosso ego, nossas doutrinas, nossas preciosas convicções… tudo isso é destruído. Tudo o que pertence à velha criação morre na Cruz e, do outro lado, desfrutamos da ressurreição como o Novo Homem, onde não há espaço para nada além de Cristo (Ef 4:22-32). Compare essa unidade do Novo Testamento com a lista de “unidades” apresentada no início deste texto e tire suas próprias conclusões.

QUEM RECEBER NA COMUNHÃO?


        Se estamos nessa unidade de que fala o Novo Testamento, qual o critério para receber os irmãos? Como saber se alguém está no espírito? Como saber se alguém está em Deus? Em primeiro lugar, precisamos nós mesmos estar em Cristo. Em segundo lugar, precisamos experimentar a capacidade de discernimento do nosso espírito humano. Entretanto, essa capacidade só pode ser exercitada se nos abrirmos aos outros. Somente através do convívio de uns com os outros podemos ter essa percepção espiritual. Por esse motivo, não temos como deixar de receber um filho de Deus. Devemos receber todos aqueles que Deus recebeu. Dito em outros termos, deixar de receber um filho de Deus nos tornará sectários e divisivos e certamente será uma prova cabal de que estamos fora da unidade e da comunhão mencionada nos tópicos anteriores. Além disso, exigir dos filhos de Deus que compactuem das nossas mesmas convicções, linhas doutrinárias ou práticas eclesiásticas é exigir algo que o Novo Testamento não exige. A única exigência para viver a vida da igreja é que alguém tenha nascido de novo, porque só assim essa pessoa pode se relacionar com o Reino dos Céus hoje (releia Romanos, cap. 14 e Efésios capítulo 4 novamente). 
Entretanto, no Novo Testamento, existem, pelo menos, dois motivos para não recebermos alguém na comunhão da igreja: - se não for filho de Deus, nem quiser saber de Cristo (2 Co 6:14) - se não quiser deixar de viver pecando, isto é, se não quiser se arrepender após admoestado, orientado e ajudado pela igreja toda (Mt 18:17) Fora esses casos, devemos receber a todos que Deus recebeu.  

Texto copiado e adaptado de www.igrejanoslares.com.br

quinta-feira, 14 de maio de 2015

O HOMEM QUE NÃO ABRIU MÃO DE NADA!

“... Sama, filho de Agé, o hararita, quando os filisteus se ajuntaram em Leí, onde havia um pedaço de terra cheio de lentilhas; e o povo fugia de diante dos filisteus.
Pôs-se Sama no meio daquele terreno, e o defendeu, e feriu os filisteus; e o Senhor efetuou grande livramento.” (2 Samuel 23:11-12)

Entre os valentes de Davi, arrolados em 2 Samuel 23, também está Sama. O seu grande feito foi firmar uma posição enquanto outros fugiam. Para ele, a opção óbvia teria sido seguir a maioria. Porém Sama ousou ficar – ainda que solitário!

Como os demais, Sama poderia ter considerada a questão uma coisa perdida: “Afinal, o que um único israelita poderia fazer contra tantos filisteus?” Porém, na força que Deus supre ele firmou posição e alcançou uma grade vitória. Que exemplo e que estímulo para os crentes desencorajados de hoje! Aqui aprendemos o que Deus pode fazer mediante um indivíduo cujo o coração lhe é integralmente consagrado. Se houver tão somente um indivíduo que não foge da questão, então Deus estará ao lado dele.

Sama venceu a batalha estabelecendo-se sobre o pouco que ainda restara das derrotas prévias. Somos freqüentemente recordados do fato que os crentes tem fracassado em render seu testemunho coletivo para Deus em meio a este mundo. E sabemos, da palavra de Deus, que este testemunho não poderá ser restabelecido ao estado original. Em virtude disto muitos nem estão mais dispostos a assumir posição por coisa alguma e correm em várias direções, seguindo após toda sorte de coisas. Ao final, no entanto, verifica-se que não perseveram em mais nada. Este, contudo, não é o caminho de Deus.

Não se deixe desencorajar pelo declínio entre o povo de Deus! Faça o que fez Sama: estabeleça-se com “ambas pernas” sobre aquilo que ainda restou após as derrotas – e você alcançará vitória! Nunca é tarde demais para se tomar posição em favor de Deus e Sua verdade.

Havendo um indivíduo tomando uma posição firme, este virá a ser um elemento referencial para agregar outros. Quando um cristão alcança uma vitória, outros serão encorajados por meio dela. Ao menos deveria ser assim, pois todos deveríamos nos alegrar pelos êxitos dos outros.

O que caracterizou Sama foi bem isto: por uma questão relativamente pequena – um campo de lentilhas – ele não se poupou de empenhar-se numa grande luta. Tratava-se, afinal, das lentilhas do povo de Deus; e o inimigo não deveria tomá-las.

O lema de Sama era: “não abrir mão de nada!” Iremos deparar com dificuldades justamente ali onde imaginamos estar estabelecidos. Os filisteus intentam roubar-nos, se possível, justamente aquelas bênçãos e recursos espirituais das quais temos maior necessidade. E então somente alcançaremos a vitória se nos dedicarmos à luta!

Não pensemos nunca que alguma porção da verdade seja de menor importância; pois, neste caso, uns abrirão mão desta, e outro daquela. Não. Cabe-nos defender toda a verdade, mesmo que, como Sama, estejamos inicialmente sós.   


Texto extraído do livro - A Igreja, plano de Deus. Como praticá-lo hoje?  

(Hamilton Smith)

sexta-feira, 8 de maio de 2015

LOUVORES

Sempre que louvamos, Satanás foge. Por isso, Satanás odeia nosso louvor ao máximo. Ele usará toda a sua força para parar nosso louvor. Os filhos de Deus são tolos se param de louvar quando sofrem sob ambientes adversos e sentimentos oprimidos. Mas quando começam a conhecer mais a Deus, saberão que mesmo uma cadeia em Filipos pode se tornar um lugar para cantar hinos (Atos 16:25). Paulo e Silas estavam louvando a Deus na prisão; seus louvores quebrou todas as portas da prisão e rompeu suas cadeias. Paulo e Silas ofereceram sacrifícios de louvor a Deus ( Hb 13:15) independentemente do local e da situação em que se encontravam. As feridas ainda estavam expostas, a dor ainda não tinha sido amenizada; seus pés ainda estavam no tronco. O que havia lá para estarem alegres e poderem louvar? Mas havia lá duas pessoas com espírito transcendente, que tinha superado todas as barreiras da incredulidade. Estavam com os olhos fitos na real consolação. Eles viam que Deus ainda estava nos céus; Ele não tinha mudado. Eles mesmos poderiam ter mudado, seus sentimentos e mesmo o ambiente, poderiam ter mudado, mas Deus ainda estava no trono. Ele ainda era digno das suas ações de graça. Este tipo de louvor, que vem da dor e da perda, é um sacrifício de louvor e agrada a Deus. Quando se ora, estamos em meio a uma situação, mas, quando louvamos, pairamos por sobre a situação. O louvor opera onde a oração falha. Este é um princípio básico. Se não podemos orar, porque não louvar? Invariavelmente pensamos que devemos orar quando estamos tristes, oprimidos, feridos ou abatidos, contudo, nossas forças se exaurem e, por isso, somos vencidos. Se não podemos orar, então, devemos louvar. Por que não louvar? Aqui está uma oportunidade de ouro! Se você oferecer sacrifícios de louvor, nesse momento  o Espírito de Deus operará em você, abrirá as portas e quebrará todas as cadeias.



Watchman Nee

terça-feira, 28 de abril de 2015

A TRINDADE: DA TEORIA À PRÁTICA

             A doutrina da Trindade é uma das mais importantes doutrinas do cristianismo ortodoxo. Percebe-se, entretanto, que, pelo menos no contexto brasileiro, essa doutrina é tida em pouca consideração. A razão disso talvez seja o pragmatismo que a religião brasileira tem como base. As pessoas só se interessam por aquilo que entendem que pode ser útil para sua vida. Elas querem coisas práticas e estão enjoadas de teoria. Esse é justamente o motivo pelo qual não gostam de estudar teologia. Teologia sugere algo teórico, e as pessoas dizem que estão mais interessadas em “experiências” com Deus, e na prática demonstram que desejam “soluções” de Deus para seus problemas.

            Não é o caso de que os cristãos não acreditem na veracidade da doutrina da Trindade, apenas, de forma geral, as pessoas não sabem para que ela serve. É aquela velha história de que para que algo seja importante, precisa “falar ao coração”. Talvez, para a maioria, pouco importa se Deus é um ou três.

            Entretanto, esquecer-se ou descaracterizar a doutrina da Trindade é perder muito do que a Bíblia e especialmente Deus tem a nos dizer no real sentido da palavra. É perder de vista a coisa mais essencial de Deus que podemos saber. Na verdade, é ignorar a própria essência de Deus. Poucas pessoas pensam na Trindade hoje em dia, e quando pensam, não seria absurdo dizer que em muitos casos imaginam três deuses. Esse importante assunto precisa ser melhor estudado.

            Num certo sentido, a doutrina da Trindade é de fato a mais misteriosa e também a mais difícil de todas as doutrinas bíblicas, porém, como afirma Lloyd-Jones:

“Ela é, em certo sentido, a mais excelsa e a mais gloriosa de todas as doutrinas, a coisa mais espantosa e estonteante que aprouve a Deus revelar-nos sobre Si mesmo”1

           Ou como afirma Bavinck:

“O artigo sobre a santa Trindade é o coração e o núcleo de nossa confissão, a marca registrada de nossa religião, e o prazer e o conforto de todos aqueles que verdadeiramente crêem em Cristo. Essa confissão foi a âncora na guerra de tendências através dos séculos. A confissão da santa Trindade é a pérola preciosa que foi confiada à custódia da Igreja Cristã”2

            Deus quis mostrar aos seus filhos esse detalhe tão impressionante de sua essência. Queremos demonstrar que a doutrina da Trindade não é apenas um conceito teórico ou desinteressante, mas um elemento essencial para a espiritualidade.

Aspectos históricos da doutrina da Trindade

            No início do cristianismo a Trindade foi motivo de controvérsias. Antes do Concílio de Nicéia (325 d.C.), as principais controvérsias trinitárias foram influenciadas pelo judaísmo em sua ênfase no monoteísmo e na unidade de Deus, também pelo gnosticismo que via todas as coisas como emanações de Deus e considerava a matéria má, e pelo platonismo que cria no Logos como a principal criatura de Deus.
            Essas correntes filosóficas causaram muita influência nos cristãos primitivos, originando uma série de disputas, que deram origem a algumas teorias heréticas sobre a Trindade3. As principais foram:
Monarquismo
            Essa heresia surgiu da dificuldade em explicar o elemento divino na pessoa de Cristo, e mesmo do Espírito Santo, sem cair no erro do triteísmo.
·         O Monarquismo Modalista não admitia a existência da Trindade Ontológica (em essência), mas apenas Econômica (funcional), ou seja, Pai, Filho e Espírito Santo são uma única pessoa que se manifestou sucessivamente na história. Deus se manifestou na pessoa do Pai na Criação, na Pessoa do Filho na Encarnação e na Pessoa do Espírito Santo na Regeneração.
·         Já o Monarquismo Dinâmico negou a divindade essencial de Jesus, afirmando que Deus é essencialmente um, e que Jesus havia recebido o dinamis (poder) de Deus por ocasião de seu batismo, sendo elevado a uma categoria divina. Esse poder o abandonou poucos instantes antes de sua morte.
Arianismo
            O Arianismo recebeu esse nome de seu fundador Ário (250-336 a.D.), que foi um Presbítero da igreja de Alexandria. Ário era essencialmente unitarista, e negava qualquer possibilidade de haver uma Trindade.
            Segundo Ário, somente Deus era eterno, Jesus era uma criatura intermediária gerada do nada por Deus antes da criação do mundo. Desse modo o Pai nem sempre foi Pai, pois antes de ter criado o Filho, Deus existia sozinho. O Filho não é eterno.
            Segundo Ário, a importância do Filho estava no fato de que ele foi o instrumento através do qual Deus criou todas as coisas e nada mais. É impossível não associar o arianismo ao que proclamam hoje as Testemunhas de Jeová.
Os Concílios
            A igreja reagiu à maioria das heresias antigas reunindo-se em concílios onde foram formuladas declarações de fé que demonstravam a verdadeira ortodoxia. Os Concílios que mais trataram a respeito da trindade foram Nicéia e Calcedônia.
            O Concílio de Nicéia foi convocado pelo Imperador Constantino por causa do Arianismo em 325 d.C. O Arianismo foi rejeitado nesse concílio, e formulada a seguinte declaração de fé:

“Cremos em um só Deus, o Pai todo-poderoso, criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis; E em um só Senhor, Jesus Cristo, o filho de Deus, gerado do Pai, unigênito, isto é, da substância do Pai, Deus de Deus, luz de luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não feito, de uma só substância com o Pai, pelo qual todas as coisas vieram a ser, coisas nos céus e coisas na terra, o qual, por nós, homens, e por nossa salvação, desceu e Se encarnou, tornando-Se homem, sofreu e ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus, e virá para julgar os vivos e os mortos; E no Espírito Santo. Mas, quanto àqueles que dizem „tempo houve em que ele não existia‟, e „antes de nascer ele não era‟ e que ele veio a existir do nada, ou que afirmam que o Filho de Deus procede de uma hipóstase ou substância diferente, ou é criado, ou está sujeito a alteração ou mudança – a esses a igreja Católica (Universal) anatematiza”.

            Essa declaração colocou o Filho em pé de igualdade com o Pai, ou seja, ele é da mesma substância do Pai. Não é um Deus diferente, e muito menos inferior.

            No Concílio de Constantinopla, em 381, as diferenças com relação à divindade do Espírito Santo foram resolvidas. A Fé Nicena foi reafirmada nesse Concílio, mas a questão do Espírito Santo foi melhor esclarecida:

“Nós cremos no Espírito Santo, o Senhor, o Doador da Vida, que procede do Pai4, que com o Pai e o Filho juntamente é adorado e glorificado...”

          Essa declaração afirma claramente que o Espírito Santo não era subordinado ao Filho e nem ao Pai, mas era da mesma substância do Pai e do Filho.

Aspectos Bíblicos da doutrina da Trindade

            Aqueles que negam a existência da Trindade, em geral acusam os trinitarianos de inventar uma doutrina que não está na Bíblia. Embora o termo “Trindade” realmente não seja encontrado na Escritura, existe toda uma convicção de que essa doutrina é amplamente comprovada pelos textos sagrados. Aliás, de onde tal doutrina poderia surgir senão da Revelação de Deus? Quem poderia formular essa doutrina do nada?
            A igreja teve que reconhecer e defender a Trindade exatamente para poder conciliar os elementos bíblicos. Como crer que há somente um Deus como as Escrituras afirmam (Dt 6.4), se as próprias Escrituras dizem que Jesus também é Deus (Jo 20.28)? E do mesmo modo afirma que Jesus e o Pai são pessoas distintas (Mt 3.16-17)?
Evidências do Antigo Testamento
            No Antigo Testamento podemos encontrar indícios da existência da Trindade. Ela não está explicitamente exposta no Antigo Testamento, mas à luz da revelação do Novo Testamento podemos ver indícios claros dessa doutrina ainda no Antigo Testamento.
            Uma coisa que fica absolutamente clara é a ênfase do Antigo Testamento na unicidade de Deus (Dt 4.35,39; 32.39; 2Sm 22.32; Is 37.20; 43.10). A principal confissão de fé do povo hebreu em Deuteronômio 6.4 diz: “Ouve Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor”. Da mesma forma Isaías 45.18 diz: “Porque assim diz o SENHOR, que criou os céus, o único Deus, que formou a terra, que a fez e a estabeleceu; que não a criou para ser um caos, mas para ser habitada: Eu sou o SENHOR, e não há outro”. Porém, encontramos em muitos outros textos claras indicações de que dentro da divindade há mais de uma pessoa.
·         O Nome de Deus
            O título “Elohim”, traduzido como Deus em Gênesis 1.1, é o nome mais comum aplicado à divindade no Antigo Testamento. Esse nome está no plural. Isso por si só não quer dizer que haja três pessoas na divindade, mas de alguma maneira implica em pluralidade dentro da divindade. Entendemos o texto de Gênesis 1.1-3 à luz do texto de João 1.1-2 como sendo uma referência à obra do Pai, do Filho e do Espírito Santo na Criação.
·         A comunicação de Deus consigo mesmo
            Textos como Gênesis 1.26, 3.22, 11.7 e Isaías 6.8 têm sido bastante difíceis de explicar. Nesses textos é como se Deus falasse consigo mesmo na primeira pessoa do plural: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança...” (Gn 1.26). Com quem Deus estava falando nesses momentos? Certamente não era com os anjos, pois o homem não foi feito à semelhança dos anjos, nem os anjos estão no mesmo nível de Deus5. E a Bíblia não diz que Deus tome conselho com anjos ou qualquer outra criatura (Is 40.13-14). A resposta mais plausível é que Deus falava consigo mesmo dentro da Trindade.
            Esse entendimento só é possível à luz da revelação do Novo Testamento, a qual de uma maneira ainda mais clara demonstra o relacionamento dentro da Trindade, conforme pode ser visto nas palavras do próprio Jesus: “Respondeu Jesus: Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada” (Jo 14.23). O mesmo “nós” dos textos do Antigo Testamento pode ser visto no relacionamento de Jesus com o Pai.
·         A repetição dos nomes de Deus na Bênção Araônica
            Na Bênção Araônica lemos: “O SENHOR te abençoe e te guarde; o SENHOR faça resplandecer o seu rosto sobre ti, e tenha misericórdia de ti; o SENHOR sobre ti levante o seu rosto e te dê a paz” (Nm 6.24-26). Três vezes aparece no texto o título SENHOR. À luz da revelação do Novo Testamento, especialmente da Bênção Apostólica, onde as três pessoas estão claramente distintas (2 Co 13.13), conseguimos ver na Bênção Araônica indícios da Trindade6.
·         O Anjo do SENHOR
            Uma boa referência do Antigo Testamento sobre a Trindade encontra-se na pessoa do Anjo do SENHOR. O caso é que algumas vezes esse Anjo, que deve ser distinguido dos demais anjos, se identifica com o próprio Senhor, enquanto que em outras ocasiões ele é distinguido do Senhor, o que nos leva a pensar em pluralidade de personalidade (Ver Gn 16.7-13; 22.15-16; Gn 31.11-13; Ex 3.2-6; Ex 23.23, 32.34 e Nm 20.16). Geralmente associa-se essa figura do Anjo do SENHOR com a Segunda Pessoa da Trindade.
·         Aparições de Deus
            Talvez a prova mais evidente do Antigo Testamento com relação à Trindade encontre-se nas aparições de Deus. A Escritura do Novo Testamento diz que ninguém jamais viu a Deus (Jo 1.18; 5.37; 6.46; 1Jo 4.12). Como explicar, então, todas as supostas aparições de Deus no Antigo Testamento? (Gn 18.1; 28.13; Ex 33.18-23; Dt 34.10). João mesmo explica: “Ninguém jamais viu a Deus, o Deus unigênito que está no seio do Pai, é quem o revelou” (Jo 1.18). João chamou Jesus de Logos (Jo 1.1) que é traduzido como Palavra ou Verbo, e traz a idéia de fala ou comunicação.
Entendemos então, que Jesus foi o revelador da pessoa divina no Antigo Testamento. Jesus disse que Abraão havia visto o seu dia, pois existia antes de Abraão (Jo 8.56-58), referindo-se com certeza à ocasião da destruição de Sodoma e Gomorra, quando Abraão viu o Senhor, conforme relata Gênesis 18.1: “Apareceu o SENHOR a Abraão nos carvalhais de Manre, quando ele estava assentado à entrada da tenda, no maior calor do dia”. Quem Abraão viu naquele dia, foi o próprio Jesus antes de sua encarnação. Depois daquele encontro, os anjos desceram e destruíram as cidades.
Outro texto que ajuda a perceber que Jesus se manifestou no Antigo Testamento é João 12.37-41: “E, embora tivesse feito tantos sinais na sua presença, não creram nele, para se cumprir a palavra do profeta Isaías, que diz: Senhor, quem creu em nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Senhor? Por isso, não podiam crer, porque Isaías disse ainda: Cegou-lhes os olhos e endureceu-lhes o coração, para que não vejam com os olhos, nem entendam com o coração, e se convertam, e sejam por mim curados. Isto disse Isaías porque viu a glória dele e falou a seu respeito”. Note que João disse que Isaías viu a glória de Jesus. Mas, quando, e em que ocasião? O verso 40 é uma citação direta do capítulo 6 de Isaías. E podemos ler o seguinte no início do capítulo 6:

“No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes enchiam o templo. Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas: com duas cobria o rosto, com duas cobria os seus pés e com duas voava. E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, santo, santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória. As bases do limiar se moveram à voz do que clamava, e a casa se encheu de fumaça. Então, disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o SENHOR dos Exércitos!” (1-5).

            Isaías disse ter visto o SENHOR dos Exércitos. E se João disse que Isaías tinha visto Jesus, então o SENHOR e Jesus são a mesma pessoa. A conclusão é que todas as vezes que Deus foi visto no Antigo Testamento, era a Segunda Pessoa da Trindade se manifestando. Portanto, o Antigo Testamento tem bons indícios da existência da Trindade.
Provas do Novo Testamento
            O Novo Testamento é muito mais decisivo em sua ênfase trinitária. Há muitos relatos que nos dão a justa idéia de que Deus é um e é três ao mesmo tempo.
·         No Batismo de Jesus
            O texto do batismo de Jesus narra: “Batizado Jesus, saiu logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba, vindo sobre ele. E eis uma voz dos céus, que dizia: Este é o meu filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3.16-17). Note que há três personagens presentes no relato. Jesus está sendo batizado, o Espírito está descendo sobre ele, e o Pai está falando dos céus. Inconfundivelmente, aí estão, simultaneamente as três pessoas da Trindade.
·         Na Fórmula Batismal
            Jesus disse: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28.19). Nesse texto, não somente as três pessoas são citadas conjuntamente, como a expressão “em nome” está no singular. A Escritura não diz “batizando-os no nome do Pai, no nome do Filho e no nome do Espírito Santo”. Há apenas um nome para o Deus que subsiste em três pessoas.
·         Na Bênção Apostólica
            O texto diz: “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós” (2 Co 13.13). Por que Paulo colocaria esses três nomes em pé de igualdade, se não considerasse como pessoas da mesma divindade? Seria Paulo idólatra? Então, fica claro que a Bíblia afirma a existência da Trindade.
Em Apocalipse 1.4-5 a Bênção é pronunciada de forma ligeiramente diferenciada, mas as três pessoas estão presentes: “Graça e paz a vós outros, da parte daquele que é, que era e que há de vir, da parte dos sete Espíritos que se acham diante do seu trono e da parte de Jesus Cristo, a Fiel Testemunha, o Primogênito dos mortos e o Soberano dos reis da terra”.
·         Na obra da Salvação
            A Escritura mostra em passagens como 1 Pedro 1.1-2 e Judas 20-22, Pai, Filho e Espírito Santo agindo em pé de igualdade na vida dos crentes na eleição, na redenção e durante todo o processo da santificação. A Trindade conjuntamente age em favor dos escolhidos.
·         Na Capacitação da igreja
            Nas passagens de 1 Coríntios 12.4-6 e Efésios 4.4-6 que tratam da maneira como Deus capacita sua igreja, para em unidade, desenvolver sua tarefa no mundo, as três pessoas da Trindade são mencionadas como sendo a base pela qual a igreja sobrevive e age no mundo. João 14.16 também faz menção da Trindade, mas nesse caso é o Espírito Santo que vem através do pedido do Filho ao Pai para substituir o próprio Filho no meio da igreja.
·         No Ensino de Cristo
            Ao mesmo tempo em que Cristo disse que Deus era seu Pai que estava no céu (Mt 5.16; 7.21; 11.25-27), disse que não eram a mesma pessoa (Mt 16.27; Jo 10.17), e disse também que era “Um” com ele (Jo 10.30, 38). A comparação entre as palavras de Jesus nos leva a crer que existe mais de uma pessoa na Divindade. E esse certamente é o maior argumento bíblico a favor da divindade: a consciência do próprio Jesus. Ele sabia e demonstrou que era alguém diferente do Pai e ao mesmo tempo “um” com o Pai.
            Em 1 João 5.7. O texto mais claro na Bíblia com relação à Trindade é 1João 5.7. Entretanto, esse texto é amplamente controvertido, e muito provavelmente não seja realmente original, pois não aparece na maioria dos códices gregos antigos, nem nos latinos e não é citado pelos pais Anti-Nicenos. Mas, há grande evidência da antigüidade desse texto, quem sabe antes mesmo de 160 d.C7, demonstrando que a doutrina da Trindade já era tão antiga quanto essa data sugere.
            Todos esses elementos bíblicos considerados conjuntamente deixam a certeza de que há um só Deus, que subsiste em três pessoas: O Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Aspectos Teológicos da doutrina da Trindade

            Falar sobre a base teológica da doutrina da Trindade significa estabelecer conceitos que nos ajudem a entender melhor a doutrina. É claro que jamais podemos nos esquecer que estamos lidando com algo que ultrapassa em muito o nosso entendimento. As palavras de Calvino sobre a Trindade são muito instrutivas nesse sentido, e servem de advertência contra especulações:

            Entendamos que se nos secretos mistérios das Escrituras nos convém ser sóbrios e modestos, certamente este que tratamos no presente não requer menor modéstia e sobriedade; mas é preciso estar de sobreaviso, para que, nem nosso entendimento, nem nossa língua vá além do que a Palavra de Deus nos tem demonstrado. Por que, como poderá o entendimento humano compreender, com sua débil capacidade, a imensa essência de Deus, quando nem se quer consegue determinar com certeza qual é o corpo do sol, mesmo que todos os dias o vê com seus olhos? Assim mesmo, como poderá penetrar por si só a essência de Deus, uma vez que não conhece nem a sua própria? Portanto, deixemos a Deus o poder de conhecer-se.8
Definições
            Podemos definir a doutrina da Trindade dizendo que há somente um Deus em essência, mas que este Deus subsiste em três pessoas distintas. Não há analogia ou ilustração que possa nos ajudar a entender como isso é possível. No passado, os Pais da igreja acostumaram-se a usar analogias para ajudar a entender a unidade dentro da Trindade. Falava-se, por exemplo, da união da luz, calor e esplendor em uma só substância do sol; da raiz, tronco e folhas de uma planta, ou mesmo do intelecto, vontade e sentimentos na alma humana. O fato é que todas as ilustrações conseguem acrescentar muito pouco, e às vezes, só mesmo distorcer a doutrina da Trindade. 

            Essência é a tradução da palavra grega “ousia” que também pode significar substância9, e refere-se à natureza divina. Essa natureza essencial é compartilhada pelas três pessoas da Trindade. Quando pensamos na raça humana, sabemos que todos compartilham a mesma natureza, a humana, mas, cada um é um indivíduo autônomo. Compartilhamos a mesma natureza, mas somos seres diferentes. Na Trindade há apenas uma natureza, pois há apenas um ser. Há três pessoas, mas apenas um ser. Cada uma das três pessoas da Trindade compartilha da mesma natureza divina, a qual é numericamente uma.    São três pessoas distintas, mas não separadas. Há apenas uma vontade, um poder, uma mente, uma determinação, um sentimento, um ser. A essência de Deus não é dividida entre as três pessoas da Trindade, ela é absoluta, completa e perfeita em cada uma delas. Não são três partes de um só Deus, nem três deuses, é um Deus, uma substância e três pessoas.

            Pessoa é tradução dos termos gregos “prosopon” e “hypostasis” ou o latino “persona” que foram usados pelos escritores antigos para indicar as distinções da Divindade. Modernamente tem se falado em subsistência como um termo mais adequado e livre de ambigüidades. Na verdade, muito tempo foi gasto na tentativa de encontrar uma palavra que melhor definisse o sentido da distinção, e isso por si só, já mostra o quanto todas são na verdade inadequadas. O importante é que o termo essência nos fala da unidade de Deus, enquanto que o termo pessoa ou subsistência nos fala das distinções que existem no ser divino. Pessoa é o elemento diferenciador na Trindade. Essência é uma, pessoas são três. Não são três modos de manifestações, mas três existências, ou subsistências reais dentro de um único ser. No Ser de Deus unidade e diversidade não são antônimas. Deus, em seu ser, pode ser tripessoal, sem deixar de ser um.
A Trindade em essência (ontológica)
            Dentro da Trindade existe absoluta igualdade de essência, logo, não existe qualquer grau de subordinação, nem mesmo de honra. O Pai não é maior em essência do que o Filho e nem o Filho maior do que o Espírito Santo. O Pai não deve ser mais adorado do que o Espírito, ou o Espírito mais do que o Filho. Entretanto, há características próprias em cada uma das pessoas da Trindade, as quais não encontramos nas demais. Estamos falando da Paternidade, da Filiação e da Processão.

            A paternidade é uma característica exclusiva do Pai. Nesse sentido não podemos chamar o Logos de Pai e nem o Espírito de Pai. A paternidade do Pai é diferente da que os homens concebem por ser eterna. Não houve um tempo em que Deus não fosse Pai. Desde toda a eternidade ele é o Pai do Filho. O Pai se difere do Filho e do Espírito Santo por não ser gerado e nem proceder de ninguém, e por ser o único que gera.

            O Filho possui a característica exclusiva de ser gerado. Somente o Filho é filho do Pai. Não houve um tempo em que o Filho não existia (Mq 5.2), ele é eternamente gerado da essência do Pai. A igreja tem historicamente afirmado que a geração do Filho é desde toda a eternidade como um ato atemporal. Se o Pai gerou o Filho em algum momento da história, então, isso significa que ele mudou de essência e que o Filho não é eterno em essência. A geração do Filho não cria uma nova essência na Trindade, pois é a mesma essência que é compartilhada tanto pelo Pai quanto pelo Filho. A Geração é uma comunicação da essência do Pai ao Filho, num ato atemporal, que faz com que tanto o Pai, quanto o Filho tenham vida em si mesmos (Jo 5.26).
            Berkhof dá a seguinte definição da geração do Filho: “É ato eterno e necessário da primeira pessoa da Trindade, pelo qual ele, dentro do Ser Divino, é a base de uma segunda subsistência pessoal, semelhante à Sua própria, e dá a esta segunda pessoa posse da essência divina completa, sem nenhuma divisão, alienação ou mudança”10.

            Em geral os argumentos mais usados para dizer que Cristo não é eterno são os textos de Colossenses 1.15 e Apocalipse 3.14 que falam respectivamente de Jesus como o “primogênito” e o “princípio” da criação de Deus. Dizem os unitários, especialmente as Testemunhas de Jeová, que esses termos colocam Cristo como a primeira criatura de Deus, não sendo, portanto eterna. Em Colossenses 1.15 “primogênito” da criação não pode se referir ao primeiro ser criado, pois subentenderia que Cristo é o primeiro filho da própria Criação, e isso não faz sentido. A interpretação mais provável é que Cristo é o herdeiro de toda a Criação de Deus. Do mesmo modo em Apocalipse 3.14 falar de Cristo como o primeiro por causa da palavra “princípio” não faz justiça ao uso dessa palavra no próprio livro do Apocalipse, pois o próprio Deus é chamado de princípio (Ap 1.8; 21.6; 22.13). Faz muito mais sentido pensar que o texto está falando de Cristo como o mais proeminente de toda a criação, o principal, o mais importante, o chefe (Ver Cl 1.18).

            O Pai gera o Filho, o Filho é eternamente “gerado” do Pai, e o Espírito Santo “procede” eternamente do Pai e do Filho. Nas línguas grega e hebraica as palavras “pneuma” e “ruach”, que são traduzidas como “espírito”, derivam de raízes que significam “soprar, respirar, vento”. Daí a idéia do Espírito ser soprado por Deus (Jo 20.22). A doutrina de que o Espírito “procede” do Pai e do Filho levou algum tempo para ser formulada pela igreja, sendo que somente em 589 no Sínodo de Toledo foi formulada a seguinte declaração de fé: “Cremos no Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho”11.

            A base bíblica de que o Espírito procede do Pai e do Filho é João 15.26, e os textos onde o Espírito é chamado de Espírito de Cristo ou de Espírito do Filho (Rm 8.9; Gl 4.6; Fp 1.19; 1Pe 1.11). Berkhof define a “expiração” do Espírito como sendo “o eterno e necessário ato da primeira e da segunda pessoas da Trindade pelo qual elas, dentro do Ser Divino, vêm a ser a base da subsistência pessoal do Espírito Santo, e propiciam à terceira pessoa a posse da substância total da essência divina, sem nenhuma divisão, alienação ou mudança”12.
A Trindade no trabalho (econômica)
            Uma maneira interessante de ver a Trindade é entender a forma como a Trindade age, não em relação a si mesma, mas em relação à criação. Quando falamos em essência, vimos que embora haja características próprias em cada pessoa da Trindade, não existe qualquer grau de subordinação entre elas. Porém, quando falamos em trabalho (economia) da Trindade, percebemos que há uma ordem como Deus trabalha. Isso nos revela bastante do caráter Trinitário.

            Jesus fez algumas declarações que certamente poderiam nos deixar confusos se não entendêssemos a diferença de Trindade em essência (ontológica) e Trindade econômica. Já vimos que ele disse ser um com seu Pai, porém, em outros textos ele afirmou ser submisso ao Pai, como por exemplo, João 6.38: “Porque desci do céu não para fazer a minha própria vontade; e, sim, a vontade daquele que me enviou”. E também noutra ocasião ele disse: “O Pai é maior do que eu” (Jo 14.28).

            Já dissemos que de acordo com a Bíblia há igualdade absoluta entre as pessoas da Trindade, mas então, por que Jesus disse que o Pai era maior do que ele? Certamente porque se referia a sua encarnação e a obra que precisava fazer. Ele foi submisso ao Pai nesse sentido, e portanto, inferior em função, mas não em essência. Estamos agora falando das obras que se realizam, não dentro do ser divino, mas em relação à criação, providência e redenção. Vemos nas Escrituras algumas obras sendo mais atribuídas a uma das pessoas da Trindade do que a outra. Entretanto, devemos tomar o cuidado para não exagerarmos nas distinções, pois de certa forma, a Trindade participa conjuntamente de todas as obras externas.

            Não precisamos temer falar de uma subordinação econômica do Filho ao Pai, desde que entendamos que não há qualquer subordinação de essência. É por isso que Paulo diz: “Quero, entretanto, que saibais ser Cristo o cabeça de todo homem, e o homem, o cabeça da mulher, e Deus, o cabeça de Cristo” (1Co 11.3). No contexto ele está tratando da diferença que existe entre o homem e a mulher, e da subordinação que a mulher deve ao homem. Ele não está dizendo que a mulher é inferior ao homem, mas que deve ser submissa e guardar as diferenças proporcionais13. Da mesma forma o Pai é o cabeça de Cristo, mas isso não quer dizer que ele é superior, pois a essência é a mesma. A questão está nas funções que são diferentes.

            Devemos evitar a formulação simplista de que o Pai é o responsável pela Criação, o Filho pela Redenção, e o Espírito pela santificação, pois a Trindade participa conjuntamente de tudo isso. A distinção que podemos fazer é a seguinte: Ao Pai pertence mais o ato de planejar, ao Filho o de mediar, e ao Espírito o de agir. Isso pode ser visto no relato da criação.

            No texto de Gênesis 1.1-3 as três pessoas da Trindade estão agindo. O texto diz: “No princípio criou Deus os céus e a terra” (Gn 1.1). Note que a criação é atribuída a Deus. Entretanto, em seguida veja algumas manifestações diferentes desse Deus: “A terra, porém, era sem forma e vazia, e o Espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1.2). Aí está a Terceira Pessoa, o “Espírito de Deus”. A maioria dos comentaristas concorda que o Espírito Santo está numa função de “energizar” a matéria, sendo, portanto, o ponto de contato entre Deus e a matéria. Mas, e onde está o Filho? O Filho é a “palavra” de Deus. Foi João quem chamou Jesus de o “verbo” de Deus (Jo 1.1). Ele é a Palavra proferida, o “haja luz”, é o instrumento através do qual todas as coisas foram criadas. A Bíblia afirma isso categoricamente: “Pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele” (Cl 1.16).

Portanto, podemos dizer que na obra da criação, o Pai fala, o Filho é a Palavra falada – Mediador, e o Espírito Santo é o agente direto sobre a matéria. Em termos semelhantes, a Trindade trabalha na Redenção, cada pessoa executando uma tarefa particular. O Texto de 1Pedro 1.2 é claro nesse sentido, pois diz que os crentes são: “Eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e a aspersão do sangue de Jesus Cristo”. Aqui também o Pai é o idealizador da salvação, pois a ele pertence o ato de escolher os que devem ser salvos. Nesse sentido, o Pai é o autor da eleição. O Filho está novamente na função de Mediador, ele possibilita a obediência a Deus através da aspersão de seu sangue. Já ao Espírito Santo é indicada a tarefa de santificar, ou seja, separar para si os eleitos.           Então, o Pai elegeu, o filho salvou e o Espírito aplicou a salvação.

Na verdade essa ordem de funções pode ser vista por toda a Escritura: O Pai planejando a salvação (Jo 6.37-38) e escolhendo os eleitos (Ef 1.3-4), o Filho executando o plano de Deus (Jo 17.4; Ef 1.7), e o Espírito Santo confirmando essa obra sobre os crentes (Ef 1.13-14). De fato, como declara Lloyd-Jones, “essa é uma ideia atordoante, ou seja, que estas três bem-aventuradas Pessoas, na bem-aventurada santíssima Trindade, para minha salvação, quiseram dividir assim o trabalho”.14

Aspectos práticos da doutrina da Trindade

            Até aqui vimos aspectos históricos, bíblicos e teológicos da doutrina da Trindade. Agora queremos falar sobre aspectos práticos. Claro que isso não significa que o que foi dito acima não é prático. Mas até aqui nos preocupamos em definir bem os conceitos, agora queremos tratar sobre como a doutrina da Trindade deve influenciar a nossa vida diária.

            É impossível ter um relacionamento correto com Deus sem considerar a Trindade. Hoje as pessoas demonstram inconscientemente preferência por uma das pessoas da Trindade. Há aqueles para quem a pessoa do Pai é a central. Essas pessoas pensam muito pouco em Jesus e no Espírito Santo. Principalmente os oriundos da tradição católica, quando lembram de Deus, pensam na pessoa do Pai. Outros preferem a pessoa do Filho, geralmente os influenciados pelo “pietismo”, mas certamente são minoria. O Espírito Santo é o foco principal da vida da maioria dos crentes das igrejas carismáticas. Essa fragmentação das pessoas da Trindade é coisa bem típica do nosso mundo moderno. Ela dilui a compreensão da riqueza de Deus.

            Por outro lado, na prática o que se percebe é uma espécie de unitarismo funcional. Quando pensamos em Deus, não trazemos à memória a existência triúna, mas o imaginamos como uma pessoa única. Isso compromete demasiadamente o relacionamento com ele, pois impede que entendamos mais completamente o seu caráter. Na verdade é impossível compreender a Criação e a Redenção sem pensar na Trindade. Pois, como vimos, tanto a Criação quando a Redenção não são obra de uma das pessoas divinas, mas da Trindade como um todo.

            Nesse ponto outras coisas precisam ser consideradas. Um problema é imaginar que Deus precisou criar o mundo para se sentir mais pleno. Isso é um engano, pois Deus é absolutamente completo em si mesmo. Ele não precisava criar o universo para se sentir melhor, nem mesmo para experimentar algum relacionamento, pois em seu ser, Deus já é completo e relacionável.

            Na oração sacerdotal Jesus disse: “E agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo... porque me amaste antes da fundação do mundo” (Jo 17.5,24). Na verdade, esse por si só, já é um grande argumento em favor da Trindade. Se a Bíblia diz que Deus é amor (1Jo 4.8), então, o que ele amava antes de ter criado alguma coisa? Deus exercitava o amor consigo mesmo, no relacionamento trinitário, que por sua vez, veio a ser a base para o relacionamento amoroso com os homens, que assim, também pode ser chamado de “amor eterno” (Jr 31.3). Deus expandiu seu amor intra-trinitário para suas criaturas, e isso demonstra de forma assombrosa como é grande esse seu amor.

            Quando Deus nos chama para a fé, na verdade é um convite para mergulhar no relacionamento trinitário, aquele relacionamento que as pessoas da Trindade têm entre si. Jesus disse: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada” (Jo 14.23).

Deus não precisava criar nada para se sentir mais pleno, mas ainda assim decidiu criar para dar maior expressão ao relacionamento trinitário. Somos chamados para participar disso, como Jesus deixou bem claro em sua oração: “A fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós” (Jo 17.21). A idéia somada desses textos é: O Deus triúno em nós, e nós no Deus triúno, uma comunhão com base trinitária. Somos chamados para mergulhar no amor da Trindade. Por essa razão, não considerar a Trindade é entender menos o amor de Deus.

            Isso por sua vez nos leva a entender nosso chamado relacional. Jesus continuou orando Pai: “Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós o somos; eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim” (Jo 17.22-23).

            É fácil de entender porque a comunhão é tão difícil na igreja. As pessoas buscam comunhão através de eventos sociais, trabalhos comunitários, músicas que incentivam cumprimentos mútuos, etc. Mas a verdadeira base da comunhão da igreja é a Trindade. Precisamos entender que fomos chamados para refletir o mesmo amor que existe na Trindade. Somos chamados para mergulhar nesse amor, e de tal forma ele precisa inundar a nossa vida, que os outros irmãos receberão os efeitos dele.

            O próprio sentido de nossa missão no mundo também está explícito nessas palavras de Jesus. Queremos que o mundo conheça o Evangelho, para isso fazemos imensas campanhas evangelísticas, cultos de evangelização, distribuímos folhetos, mas percebemos que os resultados são insignificantes. Jesus ensinou que nosso testemunho depende de nossa unidade. Enquanto o amor da Trindade não invadir nosso coração a ponto de alcançar os outros, o mundo continuará descrente em relação a Jesus.

            A consciência da Trindade muda também o próprio culto que prestamos a Deus. O culto cristão é essencialmente trinitário. Uma definição de culto cristão poderia ser: “Adorar o Pai, pela mediação do Filho, no poder do Espírito Santo”15. Essa é uma definição interessante, mas há o perigo de compartimentar as coisas, pois não é só o Pai que é adorado, e sim o Deus triúno. A idéia é que o culto como um todo é para a Trindade e obra da Trindade. O acesso à presença de Deus se faz pela pessoa do Filho. A comunicação de Deus com o povo se dá pelo Espírito que faz uso da Palavra. O culto é uma vibrante atuação do Deus triúno.

            Quando temos isso bem claro em nossa mente, percebemos que a única coisa que precisamos para adorar a Deus verdadeiramente é a atuação da Trindade. Isso evidentemente não dispensa os elementos do culto como a música, os instrumentos, e as próprias pessoas. Mas a adoração verdadeira não pode depender de um cântico animado, de instrumentos bem tocados, ou da eloquência do pregador. Se essas coisas são os instrumentos da adoração é provável que não esteja acontecendo adoração. A adoração verdadeira é obra da Trindade em nós, e a partir de nós, para a própria Trindade. Por isso o culto bíblico é bastante diferente do que se vê na maioria das igrejas. O culto bíblico é teocêntrico e não antropocêntrico.

            Finalmente, a doutrina da Trindade é um chamado ao serviço. Estudamos sobre a absoluta igualdade essencial da Trindade. Nesse sentido não há qualquer grau de subordinação entre as pessoas da Trindade. Mas percebemos que nas obras externas, ao trabalhar na Criação e na Redenção, as pessoas da Trindade se subordinam umas às outras e trabalham em perfeita cooperação. Embora sejam pessoas plenas, e cada uma tenha a essência completa da Trindade em si, não são, nem desejam ser autônomas. São absolutamente livres e isso faz com que se relacionem e promovam a obediência. O Filho faz questão de obedecer ao Pai, e o Espírito é obediente ao Filho.

            A dificuldade que os cristãos têm de trabalhar juntos é por causa do ego. Cada um tem seu orgulho pessoal, e deseja que sua opinião prevaleça. Achamos que obedecer e servir uns aos outros nos torna inferiores. Achamos que a liberdade é a autonomia. A Trindade nos ensina que através do serviço e da obediência cristã é que desfrutamos da plena liberdade. Quando o Filho de Deus amarrou a tolha na cintura e lavou aos pés dos discípulos, isso não o fez menos digno nem menos livre, ao contrário.

            Diante dessas coisas, concluímos que devemos valorizar mais essa doutrina. Precisamos nos arrepender por considerar tão pouco esse precioso ensino da Escritura, e passar a considerar o caráter trinitário de nosso Deus em nosso relacionamento com ele, com os irmãos e no culto que lhe dirigimos. Acima de tudo permanece que não podemos conhecer verdadeiramente a Deus, se não considerarmos seu caráter trinitário. Como diz Bavinck, “somente quando nós contemplamos essa Trindade é que nós descobrimos quem e o que Deus é”16.


1 D. M. Lloyd-Jones. Deus o Pai, Deus o Filho, p. 114. 
2 Herman Bavinck. Our Reasonable Faith, p. 145.
3 Para uma excelente exposição sobre os conflitos trinitários deste período, ver: Louis Berkhof. Historia de Las Doctrinas Cristianas, p. 47-119. 
4 No concílio de Toledo (589 a.D.) foi acrescentada a expressão “e do Filho”, sumarizando a doutrina da igreja Ocidental de que o Espírito procede do Pai e do Filho conjuntamente.
5 Ver Gerard Van Groningen. Criação e Consumação, Vol I, p. 32.
6 Embora alguns vejam na repetição dos adjetivos “santo, santo, santo” em Isaías 6.3 um indício claro da Trindade, não desejamos ir tão longe, pois na língua hebraica a repetição visa enfatizar aquilo que está sendo dito. O mesmo talvez não possa ser dito de Daniel 9.19 e Isaías 33.22.

7 Ver Excelente estudo sobre o texto em Herman Bavinck. The Doctrine of God, p. 265-266. Para uma opinião contrária ver John Sttot. I, II, III João – Introdução e Comentário, p.155. 
8 João Calvino.
 Institutas, I, 13, 21.
9 Berkhof fala da diferença entre “essência” e “substância” e da tendência moderna de não usar os dois termos como sinônimo pelo fato de que na igreja Oriental “substância” traduzia tanto “ousia” como “hipostasis”, sendo, portanto, um termo ambíguo (Ver L. Berkhof.Teologia Sistemáticap. 88-89).
8 João Calvino. Institutas, I, 13, 21.
9 Berkhof fala da diferença entre “essência” e “substância” e da tendência moderna de não usar os dois termos como sinônimo pelo fato de que na igreja Oriental “substância” traduzia tanto “ousia” como “hipostasis”, sendo, portanto, um termo ambíguo (Ver L. Berkhof. Teologia Sistemática, p. 88-89).
10 Louis Berkhof. Teologia Sistemática, p. 95. 
11 A igreja Oriental (Católica Ortodoxa) nunca aceitou essa formulação. 
12 Louis Berkhof. Teologia Sistemática, p. 98. 
13 Ver Augustus N. Lopes. O Culto Espiritual, p. 64-65.
14 D. M. Lhoyd-Jones. Deus o Pai, Deus o Filho, p. 122-123.
15 Ricardo Barbosa de Sousa. O Caminho do Coração, p. 80.
16 Herman Bavinck. Teologia Sistemática, p. 155.




Texto extraído de www.ipsantoamaro.com.br/artigos/a-trindade-da-teoria-a-pratica.html
Escrito por Leandro Lima